Em Portugal, a infertilidade representa um desafio para muitos casais e pessoas que desejam engravidar. Vários fatores – desde problemas de ovulação até questões genéticas – podem dificultar ou impedir a conceção de forma natural. Nesse contexto, a doação de óvulos (também conhecida como ovodoação) surge como uma possibilidade para quem não consegue produzir óvulos viáveis ou enfrenta outras limitações reprodutivas.
Embora a doação de óvulos seja permitida em Portugal, a legislação tem vindo a evoluir nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito ao anonimato e ao direito à identidade genética. Neste artigo, abordamos os aspetos mais relevantes sobre a doação de óvulos em Portugal: como funciona o procedimento, quais os riscos, o que diz a lei e quais as considerações éticas envolvidas.
O que é a doação de óvulos?
A doação de óvulos consiste em recolher óvulos de uma mulher (doadora) para que sejam fertilizados em laboratório com sémen (do parceiro ou de um dador) e transferidos para o útero de outra mulher (recetora). Esta recetora pode ter problemas de saúde que impeçam a produção de óvulos próprios ou sofra de repetidas falhas de fecundação.
Neste processo, a doadora contribui geneticamente para a criação do embrião, enquanto a recetora é a mulher que efetivamente leva a gravidez até ao fim. Em Portugal, a mulher que dá à luz é considerada a mãe legal, de acordo com o princípio geral do Código Civil. Assim, mesmo que o material genético seja de outra pessoa, a maternidade é atribuída a quem dá à luz.
Enquadramento legal em Portugal: Como funciona?
Em Portugal, a doação de óvulos está prevista na Lei n.º 32/2006, que regula a procriação medicamente assistida (PMA). Posteriormente, essa lei foi alterada por diplomas como a Lei n.º 17/2016, que estendeu o acesso à PMA a todas as mulheres, independentemente do estado civil ou orientação sexual. Além disso, o Acórdão n.º 225/2018 do Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o anonimato absoluto nas doações de gâmetas, estabelecendo que as pessoas concebidas por recurso a doação têm direito a conhecer a identidade do dador a partir dos 18 anos.
Portanto, ao contrário de alguns países onde a doação permanece anónima, em Portugal existe um regime de anonimato relativo: durante a infância, a recetora e a criança não podem saber a identidade da doadora; porém, a partir dos 18 anos, a pessoa nascida dessa doação tem o direito de aceder à informação identificativa da doadora.
Nota importante: A legislação portuguesa sobre a doação de óvulos é suscetível de atualização ao longo do tempo, sobretudo no que toca às questões de acesso à informação genética. Assim, é essencial acompanhar eventuais novas decisões judiciais ou alterações legais.
Além do regime de anonimato, a lei determina limites quanto ao número de vezes que uma mulher pode doar e ao número de crianças que podem nascer de cada doadora, para reduzir riscos médicos e evitar confusões acerca das origens genéticas.
Doação de embriões em Portugal: possibilidades e restrições
A doação de embriões também é contemplada na legislação portuguesa e ocorre quando casais que já não tencionam utilizar os embriões criopreservados os disponibilizam para outras pessoas. No entanto, esta prática está submetida a requisitos rigorosos. É proibido, por exemplo, criar embriões especificamente com a finalidade de os doar a terceiros.
Se existirem embriões excedentários resultantes de ciclos de FIV (fertilização in vitro), o casal pode optar por doá-los ou, se não o fizer, estes acabam por ser descartados ao fim de um período legalmente estabelecido, a menos que haja uma renovação das autorizações de conservação. O principal objetivo é proteger a dignidade do embrião, evitar a sua mercantilização e respeitar a autonomia reprodutiva dos envolvidos.
Quem é legalmente a mãe?
À semelhança de outros países, em Portugal vigora o princípio de que a mãe é a mulher que dá à luz. Esse critério é fundamental para garantir segurança jurídica à criança e aos adultos envolvidos. A doadora não assume quaisquer direitos ou deveres parentais relativamente à criança que venha a nascer – o que difere, por exemplo, de algumas legislações estrangeiras onde a filiação pode ser objeto de maior contestação.
Por outro lado, a criança tem o direito de conhecer a sua origem genética ao atingir a maioridade, de modo a respeitar o princípio da identidade pessoal. Consequentemente, se mais tarde desejar, pode requerer os dados que permitam identificar a doadora de óvulos.
Gestação de substituição e doação de óvulos: o que diz a lei portuguesa?
A gestação de substituição (vulgarmente conhecida como “barriga de aluguer”) é um tema sensível em Portugal. Em 2016, foram feitas alterações legais que permitiram a gestação de substituição em casos muito específicos, como a ausência de útero na mulher recetora. No entanto, sucessivas decisões judiciais e alterações pontuais à lei criaram um quadro bastante restritivo e, em certos casos, suspenderam a aplicação prática desta modalidade.
Na doação de óvulos, a gestação de substituição pode ser um fator adicional de complexidade caso a recetora não possa, por razões médicas, levar a gestação até ao fim. Nesse cenário, a lei portuguesa continua a exigir critérios rigorosos e um processo administrativo e judicial prévio para que a gestação de substituição seja autorizada.
Riscos médicos e desafios
A doação de óvulos envolve procedimentos médicos delicados tanto para a doadora como para a recetora. No caso da doadora, é necessário administrar medicação hormonal para estimular a produção de vários folículos ovarianos. Essa estimulação pode provocar efeitos secundários como alterações de humor, inchaço abdominal, cefaleias e náuseas. Existe também o risco do Síndrome de Hiperestimulação Ovárica (SHO), que, embora raro, pode ser grave.
A extração dos óvulos (punção folicular) é efetuada por via vaginal e, apesar de ser habitualmente segura e rápida, não está livre de complicações como hemorragias ou infeções. Em contrapartida, a recetora passa pelo tratamento de preparação endometrial, para receber os embriões resultantes da fertilização em laboratório. Como em qualquer tratamento de fertilidade, existe também a possibilidade de gravidez múltipla.
Riscos para a doadora de óvulos
Para a mulher que decide doar, o processo pode ser fisicamente e emocionalmente exigente. A administração de hormonas requer um acompanhamento médico rigoroso para evitar complicações graves. Além dos riscos médicos já referidos, é essencial que a doadora compreenda as implicações psicológicas deste ato e que, idealmente, tenha acesso a aconselhamento especializado antes, durante e após o processo.
Em Portugal, a legislação prevê a chamada “compensação de despesas” para a doadora (transporte, dias de ausência laboral, etc.), mas proíbe expressamente qualquer tipo de pagamento que configure lucro ou exploração financeira. O objetivo é evitar que as doações ocorram sob pressão económica.
Questões éticas na doação de óvulos
A doação de óvulos levanta várias reflexões éticas. Uma das principais diz respeito ao equilíbrio entre o direito ao anonimato da doadora e o direito da criança à identidade genética. Desde 2018, em Portugal, o anonimato absoluto deixou de existir, e essa mudança legal foi vista como uma forma de proteger melhor os interesses do futuro adulto.
Outros pontos de debate incluem a possibilidade de exploração de mulheres em situação de vulnerabilidade financeira, a eventual “comercialização” do corpo feminino e a pressão psicológica que algumas doadoras podem sentir após o procedimento. Assim, o aconselhamento ético e o acompanhamento psicológico são considerados passos fundamentais em qualquer processo de doação de óvulos.
Doação de óvulos no estrangeiro: é necessária?
Ao contrário de países onde a doação de óvulos é proibida ou severamente limitada, Portugal tem uma regulamentação que permite esta prática, embora com restrições ao anonimato. Ainda assim, algumas pessoas consideram recorrer a países onde existem outras modalidades, nomeadamente a doação anónima.
No entanto, a deslocação ao estrangeiro implica avaliar cuidadosamente questões legais (por exemplo, se a doação anónima é ou não reconhecida depois em Portugal), custos adicionais e possíveis riscos médicos. Quem optar por realizar o tratamento fora de Portugal deve informar-se sobre a reputação da clínica, os procedimentos de segurança e a legislação local, além de consultar advogados especializados em direito internacional da família, se necessário.
Custos e financiamento
Em Portugal, a doação de óvulos pode ser efetuada em centros públicos e privados de PMA. No setor público, há geralmente listas de espera, mas os tratamentos são comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), de acordo com critérios clínicos e faixas etárias específicos. Já as clínicas privadas oferecem maior flexibilidade de agendas, porém os custos podem ser substancialmente mais elevados.
Caso a pessoa ou casal opte por fazer o tratamento no estrangeiro, deve considerar despesas como viagens, alojamento e possíveis repetições do procedimento. Algumas seguradoras privadas podem cobrir parte dos custos, mas cada caso deve ser analisado individualmente. É essencial, portanto, estabelecer um orçamento claro e realista antes de iniciar qualquer tratamento.
O futuro da doação de óvulos: avanços tecnológicos
A medicina reprodutiva encontra-se em constante evolução. Procedimentos de rastreio genético de embriões (como o PGT-A/PGS), melhorias nas técnicas de criopreservação de óvulos e protocolos de estimulação mais seguros são algumas das tendências que aumentam a taxa de sucesso e reduzem riscos.
Ao mesmo tempo, surgem debates sobre possíveis avanços como a criação de gametas artificiais ou edição genética de embriões. Em Portugal, qualquer mudança nesse sentido deverá ser amplamente debatida, envolvendo médicos, juristas, éticos e a sociedade em geral, dada a complexidade do tema.
Relatos de experiências pessoais
O testemunho de quem passou pelo processo pode ser muito elucidativo. Eis dois exemplos anónimos:
“Após várias tentativas de FIV, decidi avançar para a ovodoação. Foi no setor privado e correu tudo bem. A doadora foi fantástica, e hoje sou mãe de um bebé saudável. Senti-me sempre acompanhada pela equipa médica.”
“Fiz a doação de óvulos porque sabia que podia ajudar alguém a concretizar o sonho de ser mãe. A estimulação hormonal foi dura, mas tive apoio psicológico e senti que estava a fazer algo realmente importante.”
Doação de sémen vs. doação de óvulos
A doação de sémen (esperma) está legalmente estabelecida e é mais antiga do que a de óvulos. Em Portugal, também se aplica o princípio do anonimato relativo (a identidade do dador pode ser conhecida pela criança ao atingir a maioridade). As exigências médicas para um dador de sémen são diferentes e menos invasivas do que no caso da doação de óvulos, pois não há necessidade de estimulação hormonal ou punção ovariana.
Para quem procura um dador de sémen, existem bases de dados em clínicas de PMA e aplicações específicas, como a RattleStork, uma app internacional focada em doação de sémen. Porém, é sempre fundamental verificar se a plataforma cumpre as normas legais e éticas em vigor em Portugal.
Conclusão
A doação de óvulos em Portugal é uma prática regulada por lei e representa uma esperança para muitas pessoas que desejam ser mães ou pais. Apesar de implicar exigências médicas, considerações éticas e custos potencialmente elevados, o cenário português mostra-se mais aberto do que o de países onde a doação de óvulos é proibida ou fortemente limitada.
Antes de optar pela ovodoação, é crucial que cada envolvido – doadora, recetora e eventuais parceiros – procure informação detalhada, apoio psicológico e aconselhamento jurídico. O sucesso deste processo depende não só de uma equipa clínica de excelência, mas também de uma preparação que leve em conta os riscos físicos e emocionais, bem como os direitos da criança a nascer.