O teste genético pré‑implantacional (PGT), ainda chamado em muitos serviços de diagnóstico genético pré‑implantacional (DGPI ou PGD), permite analisar o material genético de embriões criados em laboratório antes de um deles ser transferido para o útero. Para casais com alto risco de transmitir doenças hereditárias graves ou com histórico de abortos de repetição, essa tecnologia pode reduzir a chance de uma nova gestação afetada ou de mais perdas antes do nascimento. Este texto resume, em linguagem direta, como o PGT funciona na prática no Brasil, para quem costuma ser indicado, quais custos são realistas e quais limites são colocados pela legislação e pelas normas de ética médica brasileiras.
O que é exatamente o teste genético pré‑implantacional?
No contexto de um ciclo de fertilização in vitro (FIV) ou ICSI, o PGT significa que os embriões são cultivados no laboratório até o estágio de blastocisto. Nesse momento, o laboratório retira cuidadosamente algumas células da camada externa do embrião – a trofoectoderme, que formará a placenta – e envia essas células para análise genética. A massa celular interna, que dará origem ao feto, não é tocada.
Do ponto de vista internacional, fala‑se cada vez mais em Preimplantation Genetic Testing (PGT) como termo guarda‑chuva, e não apenas em “PGD”. Sociedades como a ESHRE, a ASRM e também entidades brasileiras como a Febrasgo e a SBRH publicam recomendações técnicas e éticas sobre o tema.
É importante reforçar: PGT não substitui o acompanhamento pré‑natal nem os exames de rotina na gravidez. Ele pode reduzir o risco de determinadas doenças genéticas e parte dos abortos espontâneos, mas não garante um bebê “100% saudável” nem uma gestação sem complicações.
Glossário rápido PGT & PGD
- PGT / PGD – termo amplo para exames genéticos feitos em embriões antes da transferência.
- PGT‑M – testa uma doença monogênica específica conhecida na família, como fibrose cística, doença de Huntington, algumas distrofias musculares ou hemoglobinopatias.
- PGT‑A – avalia se há alterações numéricas dos cromossomos (aneuploidias), como trissomia 21, 18 ou 13, que costumam levar a falhas de implantação e abortos.
- PGT‑SR – indicado quando um dos pais tem uma alteração estrutural dos cromossomos (por exemplo, translocação equilibrada), para identificar embriões com rearranjos desequilibrados.
- niPGT‑A – PGT‑A não invasivo, que analisa DNA livre no meio de cultura em vez de células biopsiadas; promissor, mas ainda visto principalmente como técnica em fase de estudo.
Para quem o PGT costuma ser indicado no Brasil?
No Brasil, PGT é geralmente reservado a situações em que há justificativa médica clara. Exemplos frequentes:
- Existência de mutação genética conhecida na família, associada a doença hereditária grave, com risco alto de recorrência.
- Presença, em um dos cônjuges, de alteração cromossômica estrutural (como translocação equilibrada) ligada a abortos de repetição ou malformações graves.
- Histórico de gestações anteriores interrompidas por diagnóstico de doença genética ou cromossômica severa.
- Vários abortos espontâneos consecutivos em que se suspeita ou se confirmou causa genética.
- Situações raras em que se considera conceber uma criança HLA‑compatível para doar medula a um irmão doente – tema sensível, que exige avaliação ética criteriosa.
Além dessas indicações clássicas, alguns centros oferecem PGT‑A como “add‑on” em FIV, por exemplo em casos de idade materna avançada ou repetidas falhas de implantação. As resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) e de conselhos regionais orientam que essas decisões sejam sempre bem justificadas, com informação clara sobre limites e incertezas.
Passo a passo de um ciclo com PGT
- Consulta de genética e planejamento – um médico geneticista (ou profissional com experiência em medicina genética) revisa a história familiar e exames prévios, discute se PGT faz sentido e qual tipo (PGT‑M, PGT‑A, PGT‑SR) é adequado. Para PGT‑M, muitas vezes é necessário confirmar a mutação na família e montar um ensaio personalizado.
- Estimulação ovariana – por cerca de 8–12 dias, a mulher aplica injeções hormonais para estimular o crescimento de vários folículos. Exames de sangue e ultrassons seriados ajustam as doses e reduzem riscos como a síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO).
- Punção de óvulos e fertilização – a coleta de óvulos é feita por via transvaginal, em centro cirúrgico, sob sedação ou anestesia leve. Os óvulos são fertilizados em laboratório com o sêmen do parceiro (FIV convencional ou ICSI), e os embriões resultantes são cultivados em incubadoras.
- Cultivo embrionário e biópsia – no quinto ou sexto dia, quando os embriões atingem o estágio de blastocisto, a equipe faz uma biópsia retirando algumas células do trofoectoderma. No niPGT‑A, em vez de células, o laboratório analisa DNA presente no meio de cultura.
- Análise genética – as amostras seguem para um laboratório de genética especializado, que utiliza técnicas como NGS (sequenciamento de nova geração) ou arrays. O prazo de resultado varia (geralmente entre alguns dias e duas semanas).
- Transferência ou congelamento – embriões considerados geneticamente adequados e também de boa qualidade morfológica são transferidos um a um para o útero (transferência “fresh”) ou, mais frequentemente, congelados (vitrificados) e transferidos em ciclos futuros, após a liberação dos laudos genéticos.
Tendências tecnológicas 2025
- Protocolos de PGT padronizados – diretrizes internacionais e nacionais contribuem para uniformizar critérios de biópsia, qualidade laboratorial e interpretação de laudos, tornando os resultados mais comparáveis entre clínicas.
- niPGT‑A – o PGT‑A não invasivo reduz a manipulação direta do embrião, mas ainda enfrenta desafios de sensibilidade e especificidade, principalmente nos casos de mosaicismo. Muitos centros no Brasil o utilizam apenas em protocolos de estudo ou como informação complementar.
- Time‑lapse e inteligência artificial – incubadoras com câmeras integradas registram continuamente o desenvolvimento embrionário. Softwares e algoritmos de IA cruzam esses dados com resultados de PGT e desfechos clínicos para apoiar a seleção de embriões.
- Transferência de embrião único (eSET) – o Brasil tem avançado no incentivo à transferência de um único embrião por vez, especialmente quando há PGT e embriões de boa qualidade, para reduzir gestação múltipla e seus riscos sem necessariamente diminuir a taxa cumulativa de nascidos vivos.
Custos no Brasil em 2025
Um ciclo de FIV com PGT é bem mais caro do que uma FIV padrão, pois envolve exames genéticos sofisticados, mais procedimentos laboratoriais e uma equipe ampliada. Os valores variam muito entre cidades e clínicas, mas é possível traçar algumas faixas de referência:
| Serviço | Faixa de custo típica 2025 (BRL) | O que inclui? |
|---|---|---|
| Avaliação genética & desenho do teste | R$ 1.500–6.000 | Consultas com geneticista, montagem de árvore familiar, exames de confirmação e planejamento do painel de PGT‑M ou PGT‑SR. |
| PGT‑M / PGT‑A / PGT‑SR | R$ 8.000–20.000 | Biópsia de vários embriões, análise em laboratório de genética, bioinformática e emissão de laudos. |
| Ciclo de FIV / ICSI | R$ 15.000–30.000 | Monitorização, punção de óvulos, fertilização, cultivo embrionário e, em alguns casos, uma primeira transferência (sem PGT incluso). |
| Medicamentos de estimulação | R$ 5.000–12.000 | Gonadotrofinas, desencadeador de ovulação, medicação de suporte, variando conforme dose e convênios. |
| Congelamento & armazenamento | R$ 2.000–5.000 (congelamento) + R$ 800–1.800/ano | Vitrificação dos embriões e taxa anual para mantê‑los em nitrogênio líquido. |
| Add‑ons (time‑lapse, niPGT‑A, etc.) | R$ 3.000–8.000 | Uso de incubadora com time‑lapse, upgrades para métodos não invasivos ou outros módulos adicionais. |
No Brasil, o SUS oferece em alguns locais programas de reprodução assistida, mas o acesso é restrito e, em geral, não inclui PGT. Na rede privada, a maior parte dos custos recai sobre o paciente. Alguns planos de saúde reembolsam parcialmente medicamentos ou atos médicos, porém, na prática, PGT costuma ser considerado procedimento de alta complexidade e, muitas vezes, não consta do rol de cobertura obrigatória.
Por isso, é fundamental pedir um orçamento detalhado à clínica (com todos os itens discriminados) e checar com antecedência, junto ao plano de saúde e à equipe financeira, que parte desses valores pode ser reembolsada ou parcelada.
Taxas de sucesso e riscos
As taxas de sucesso de um ciclo com PGT dependem principalmente da idade da mulher, da reserva ovariana, da qualidade dos espermatozoides, da indicação clínica e do número de embriões geneticamente adequados disponíveis. Em registros internacionais, as taxas médias de nascidos vivos por transferência de embrião ficam em torno de 20–25%, com números maiores em pacientes abaixo de 35 anos e menores depois dos 40.
| Idade da mulher | Nascidos vivos por transferência | Leitura em contexto de PGT |
|---|---|---|
| < 35 anos | aprox. 30–40% | Geralmente há mais embriões euploides; PGT pode reduzir abortos e transferências “em vão”. |
| 35–39 anos | aprox. 20–30% | PGT‑A pode ajudar a identificar embriões com cariótipo normal e evitar parte das falhas de implantação. |
| ≥ 40 anos | < 20% | A proporção de embriões cromossomicamente normais é bem menor; PGT deixa o prognóstico mais claro, mas não reverte o efeito da idade. |
Riscos médicos e emocionais
- Biópsia embrionária e mosaicismo – a biópsia ao nível de blastocisto é considerada segura em centros experientes, mas embriões mosaico (com linhagens celulares normais e anormais) são difíceis de interpretar. Decidir se vale a pena transferir esse tipo de embrião exige análise cuidadosa e individualizada.
- Efeitos colaterais da estimulação – inchaço, desconforto abdominal, ganho de peso e alterações de humor são comuns; a SHO grave se tornou menos frequente com protocolos modernos, mas não desapareceu.
- Limitações do niPGT‑A – as versões não invasivas ainda carecem de validação robusta; o risco de descartar embriões com potencial ou aceitar embriões com alterações não detectadas existe.
- Impacto psicológico – o desejo de engravidar, o medo de repetir uma experiência traumática, o peso financeiro e a pressão familiar podem gerar muita ansiedade e tristeza. Acompanhamento psicológico, grupos de apoio e um espaço seguro para conversar em casal são tão importantes quanto a parte técnica do tratamento.
Comparação internacional 2025
Muitos casais brasileiros também pesquisam opções fora do país, seja pela percepção de melhores taxas de sucesso, por custos diferentes ou por acesso a programas de doação e outras técnicas. Alguns pontos de comparação:
Brasil
- Boas clínicas privadas de reprodução assistida com experiência em PGT‑A, PGT‑M e PGT‑SR nas principais capitais.
- Regulação baseada em resoluções do CFM e normas da ANVISA; legislação específica sobre reprodução assistida ainda em construção.
- Custo elevado para o padrão de renda médio, com pouca cobertura integral pelos planos de saúde.
Argentina / Chile
- Mercado de reprodução assistida em crescimento, com oferta de PGT a preços por vezes competitivos para brasileiros.
- Diferenças de regulação e transparência; importante avaliar acreditações, resultados e logística de retorno.
Estados Unidos / Canadá
- PGT amplamente disponível, incluindo protocolos personalizados e combinações com programas de doação e gestação por substituição.
- Custos significativamente mais altos por ciclo; dependência de seguro de saúde robusto ou grande capacidade financeira.
Europa (Espanha, República Tcheca, Grécia)
- Grandes centros de FIV com PGT, experiência consolidada e pacote de serviços para pacientes internacionais.
- Incluem muitas vezes doação de óvulos e sêmen em um mesmo pacote; a distância, o idioma e os custos de viagem precisam entrar na conta.
Marco legal e normas éticas no Brasil
O Brasil não possui, até o momento, uma lei única e abrangente específica para reprodução assistida, mas o uso de PGT é balizado por um conjunto de normas legais e éticas, incluindo a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Ética Médica, resoluções do CFM (como a nº 2.294/21 e atualizações) e regulamentações da ANVISA.
- As resoluções do CFM estabelecem que técnicas de reprodução assistida, incluindo PGT, devem ser utilizadas para tratar infertilidade e prevenir doenças genéticas, e não para fins eugenistas ou de seleção não médica.
- A seleção de sexo por motivos não médicos é vedada; testes relacionados aos cromossomos sexuais podem ser considerados apenas em situações de doenças ligadas ao sexo.
- Os serviços de reprodução assistida devem manter registros adequados, assegurar consentimento livre e esclarecido e respeitar limites de criopreservação e descarte de embriões previstos em norma.
- A utilização de embriões para pesquisa ou outras finalidades deve seguir regras específicas da ANVISA e das comissões de ética em pesquisa (CEP/CONEP).
- Por não haver uma lei única, decisões judiciais e pareceres de conselhos profissionais também influenciam a prática, reforçando a necessidade de acompanhamento em centros que atuem estritamente dentro das normas vigentes.
Informações atualizadas podem ser encontradas nos sites do CFM, da ANVISA e de sociedades médicas como a SBRH e a Febrasgo.
Dicas práticas para casais brasileiros
- Comece por fontes confiáveis – procure primeiro informações em sociedades médicas, grandes hospitais e órgãos oficiais; use fóruns e redes sociais apenas como complemento.
- Peça um orçamento detalhado – exija que a clínica discrimine FIV, PGT, medicações, anestesia, congelamento, armazenamento e qualquer “extra”, para saber exatamente quanto cada parte custará.
- Converse cedo com o plano de saúde – mesmo que o PGT em si não seja coberto, alguns planos podem reembolsar medicamentos, consultas ou parte do procedimento; peça confirmação por escrito.
- Planeje a possibilidade de mais de um ciclo – principalmente em idade avançada ou com doenças complexas, um único ciclo pode não ser suficiente; isso impacta tempo, finanças e a energia emocional do casal.
- Invista em suporte emocional – terapia individual ou de casal, grupos de apoio e conversas honestas com pessoas de confiança ajudam a lidar com culpa, medo e frustração durante o processo.
Alternativas ao PGT e questões éticas
PGT não é a única opção nem necessariamente a melhor para todos. Alternativas incluem engravidar sem PGT e realizar diagnóstico pré‑natal (como biópsia de vilo corial ou amniocentese), usar gametas de doadores para evitar determinada mutação, considerar adoção ou acolhimento, ou decidir conscientemente não fazer testes genéticos.
Em termos éticos, casais frequentemente se veem entre o desejo de ter um filho o mais saudável possível, o respeito pela dignidade de pessoas com deficiência e a preocupação com até que ponto a sociedade deve normalizar a seleção de embriões. Aconselhamento genético e psicológico de qualidade pode ajudar a estruturar essas reflexões e a chegar a uma escolha coerente com a história e os valores de cada família, sem pressão de fora.
Conclusão
O teste genético pré‑implantacional pode ser um recurso valioso para casais no Brasil com alto risco genético, ajudando a prevenir doenças graves e a reduzir parte dos abortos de repetição. Ao mesmo tempo, é uma técnica complexa, cara e emocionalmente exigente, inserida em um contexto legal e ético ainda em evolução. Informar‑se bem, planejar com realismo e buscar apoio especializado e afetivo são passos essenciais para decidir se o PGT deve fazer parte do seu caminho até a parentalidade.

